Gravata Suicida
Então de repente o alarme toca, a suave música clássica era a única parte calma do meu dia, que irônico, o começo é sempre mais suave que o fim, talvez pela inocência de esperar algo novo, algo diferente, talvez pela esperança de mudança, mas no fim, era a mesma música, a mesma esperança, o mesmo dia.Me levantei, e como de costume, fui para o banho, escovei os dentes, coloquei o terno, ah como eu odeio o terno, o símbolo da opressão, do fim da individualidade, dentro dele somos todos iguais, a única peça que nos diferencia é a gravata, azuis, brancas, pretas, pratas, até amarelas, tudo que te diferencia do mundo, ter sua personalidade reduzida a uma gravata, que situação.
Minha mulher já estava de pé, fazendo o café, arrumando a mesa, já haviam alguns anos que não nos beijávamos mais, nem um bom dia, nem um ‘querido’, a relação não passava de formalidade, de necessidade, ‘feitos um pro outro mas por exclusão’.
-Bom dia querida.
-Você vai se atrasar, já são 15 para as 8.
-Bem, eu estava pensando, podíamos fazer algo hoje a noite, o que acha? Uma janta, um cinema.
-O trânsito está cada vez mais agitado, é melhor não perder a hora com futilidades.
E assim se resumia nossa relação, feitos um pro outro mas por exclusão.
No caminho para o trabalho, era a rádio, propagandas, musicas ruins, musicas iguais, musicas repetidas, um dia repedido, um dia ruim, o dia-a-dia. O transito, o stress, as pessoas, reduzidas aos seus carros, sua personalidade reduzida a sua marca, é nessa hora que eu gostava de observar as pessoas, quando elas abaixavam a guarda. No transito a natureza selvagem do ser humano transparecia, todos querendo ser o primeiro, todos se achando o primeiro, cara a cara todos são educados, ou ao menos fingem ser, um ‘bom dia’ seco, um ‘obrigado’ sem um pingo de agradecimento. Mas nos carros, era como uma mascara, o interior se manifestava, buzinas, xingamentos, falta de paciência, essa é a nossa essência, ou seria o nosso ego?
-Bom dia senhor, bela gravata.
-5 minutos atrasado, estamos perdendo tempo, tempo é dinheiro, vá para sua mesa, e resultados, quero resultados. – Disse o chefe, sem um contato, sem um indicio de personalidade, me tratando como mais um, nem a minha gravata me diferenciava mais, nem meus resultados, tudo era resultados, mas nem tudo dava resultados, a gravata, nem mesmo ela me dava valor, nem mesmo ela me diferenciava, são tudo resultados, resultados.
Engravatados em suas mesas, ligando, atendendo, vendendo, digitando, robôs de gravata, robôs sem identidade, sem opinião, sem personalidade, marcas de carros, marcas de gravatas, homens sem marca.
E o dia foi passando, passando bem devagar, o relógio tinha toda expectativa, ele era grande bem no centro da imensa parede, as mesas todas conjuntas, os ternos todos iguais, mas o relógio, ele era bonito, ele dava felicidade pro lugar, éramos todos engravatados presos ao relógio, presos as mesas, aos resultados, mas o relógio estava lá, fazendo seu trabalho, alimentando a esperança, passando devagar.
De repente vejo um pequeno movimento na janela, o prédio era alto e eu trabalhava no 20° andar, dava pra ver todos os outros prédios da região. Os engravatados começaram a se organizar e fazer fila na janela, eu fui ver o que estava acontecendo também. No prédio ao lado estava um homem, de gravata, na cobertura do prédio, seu rosto era irreconhecível, pois era uma grande distancia entre os prédios, mas podíamos ver claramente seu terno, e sua gravata.
As pessoas começaram a comentar, ninguém estava entendendo, o que um engravatado estava fazendo fora do escritório essa hora, ‘os resultados’ as pessoas diziam, qual o motivo dele estar lá? De repente, ele começou a andar devagar para a beirada do prédio, um ar frio encheu minha barriga, será que ele ia pular?
E o alvoroço começou, risadas, e um clima descontraído ocupou o estresse do local, o relógio grade e bonito parecia ter parado, e podíamos ouvir todos os tipos de comentários. Um dizia que ele não tinha coragem, outros queriam saber quem era o individuo de gravata, e até um bolão de apostas foi feito, de repente quando menos se espera ele fica em pé na grade de segurança, os engravatados ficam loucos, em êxtase, qualquer coisa era válida para mudar a rotina, mudar o dia, alegrar o ambiente.
Eu fico em pânico, nunca tinha presenciado algo assim tão de perto, como alguém pode querer tirar a própria vida? Mas o que mais me chocava, era a reação dos meus colegas de trabalho, eles não estavam vendo um homem prestes a tirar a vida, eles estavam vendo mais uma gravata, apenas uma gravata.
Alguns diziam, ‘ei, esse homem trabalha aqui, no 20° andar, alguém sabe o seu nome?’, mas ninguém sabia, na verdade todos ficaram curiosos para saber de quem se tratava, pois ninguém nunca tinha percebido ele aqui, eu também não.
Então de repente, ele abre os braços, fecha os olhos e simplesmente se solta, não foi um pulo, foi apenas um simples movimento de se libertar, de se soltar. E todos observaram, aos gritos, não sei distinguir se de espanto, ou de alegria, mas juro ter ouvido gargalhadas ao fundo.
Depois do estrago, podíamos ver o corpo no chão, destroçado, as pessoas embaixo do prédio, na rua, ficaram por alguns segundos em choque observando, mas logo após continuaram suas rotinas, ‘é apenas mais um engravatado’, eles deviam pensar. Os meus colegas de trabalho voltaram pra suas mesas, e para sua batalha contra, e a favor do relógio.
Parecia um dia comum, que nada tinha acontecido de diferente, mas eu não consegui me focar mais, nem no relógio, só conseguia ver a cena passando em minha mente, não do suicídio em si, mas da reação das pessoas, ninguém se importava, era apenas uma gravata a menos.
Voltei para casa, minha esposa já dormia e eu passei a noite acordado me revirando na cama, pensando no suicídio, no relógio, nos colegas, na gravata, então me lembrei que alguém disse que a gravata suicida era um dos nossos, que ele também trabalhava naquele 20° andar, decidi procurar saber quem era, e então peguei num sono, sem ao menos perceber que eu dormi.
Então de repente o alarme toca, a suave música clássica novamente, me acordando pra mais um dia, mais uma chance de fazer algo bom, diferente, mais uma chance de mostrar ao mundo que eu não era apenas uma gravata, e então veio a visão do suicida a minha mente, invadindo o fundo da minha consciência, eu só conseguia pensar nele, na situação, e lembrei que tinha que descobrir quem ele era.
Fiz minha rotina como de costume, banho, escova, café, roupas, gravata, e fui novamente tentar algo com minha mulher.
-Bom dia querida, você não vai acreditar no que aconteceu ontem no trabalho.
- Você vai se atrasar, já são 15 para as 8.
-Um homem se suicidou no prédio ao lado, ele pulou na frente da cidade inteira, e ninguém parecia se importar.
-O trânsito está cada vez mais agitado, é melhor não perder a hora com futilidades.
E assim se resumia a nossa frustrada chance de contato, de casamento, de vida, nós éramos feitos um pro outro, mas por exclusão.
Dirigindo novamente pro trabalho, a mesma rota, as mesmas músicas, vazias, chatas, as pessoas gritando, a raiva transparecendo, o estresse do dia começando, hoje vai ser um dia difícil, eu pensava, ou será que vai ser um dia como todos os outros?
-Bom dia senhor, você sabe do paradeiro do suicida de ontem? Ele realmente trabalhava aqui?
-5 minutos atrasado, estamos perdendo tempo, tempo é dinheiro, vá para sua mesa, e resultados, quero resultados. – Disse o chefe, mais uma vez não queria nenhum contato, nem nada, só queria resultados, por que eu ainda tentava algo diferente?
O dia demorava a passar, o relógio parecia mais lento hoje, a imagem do suicida não saia da minha mente, então sai da minha mesa e fui procurar informações, fui ignorado pelos colegas, pela secretaria, pelo RH, ninguém parecia saber dele, ou se importar com minha presença, comecei a sentir o que o suicida devia ter sentido, falta de identidade, falta de ser notado, mas não era um motivo suficiente para tirar sua própria vida.
Decidi ir para os arquivos de contratos e ver qual nome estava faltando, procurei por ‘rescisões recentes’ um jeito bonito de falar, ‘demitidos, gravatas sem resultado’ e lá estava desde a criação da empresa, todas as rescisões de contrato, todas as demissões, procurei as mais recentes, e realmente existia uma, porem ela estava em branco, lá estava a data de ontem, uma foto em branco e todos os dados em branco, apenas a data e o nome como ‘Sujeito 20°’, será que era o suicida? Mas por que não há nenhum dado, nenhum registro?
O silêncio da sala foi cortado por um alvoroço, e não tive tempo de pensar no quão estranha era toda essa situação, as pessoas começaram a se reunir na janela, e a gritar, rir, estavam em êxtase como ontem, eu não entendia por que, quando me aproximei da janela e vi, outro homem no mesmo prédio, com a mesma gravata, se aproximando da beirada da cobertura.
Meu deus, o medo tomou conta do meu corpo, eu não conseguia prestar atenção na bagunça que meus colegas faziam, nas apostas, nos gritos, não conseguia tirar o olho daquele homem e daquela gravata, seriam homens diferentes? É claro, não tem como alguém voltar dos mortos para se suicidar novamente. Mas por que tantas pessoas se matando assim, sem mais nem menos? Isso não é normal.
O homem estava parado, olhando para baixo, depois para cima, depois para a gravata. Dessa vezes eu consegui ver mais detalhes, pois estava totalmente desligado das outras coisas, o relógio, as pessoas não importavam mais, ao meu redor eu só conseguia prestar atenção naquele homem. Será que o suicida de ontem deu coragem para ele, não tem lógica, nada disso tem lógica, dois suicídios na mesma semana, um dia após o outro, e ninguém acha estranho, todos estão com a mesma ‘naturalidade’ de ontem, não faz sentido.
De repente, observo um detalhe que não tinha percebido ontem, o homem sobe na beirada e tira sua gravata, desfaz o nó e a joga ela ao vento, a gravata voa, faz rodopios no ar e sai de cena, deixando o engravatado, sem gravata, o homem sem identidade. Ele então se solta, como o homem ontem e cai, levemente, até ser destroçado pela gravidade.
As pessoas na rua desviam de seu corpo, os colegas de trabalho sentam novamente, como de costume. Mas eu não consigo, eu começo a ter enjôos e para piorar a situação ouço um grupo comentar ‘Vocês viram? Acredito que ele trabalhava aqui, no 20° andar, que coincidência não?’.
Outro daqui? O que está acontecendo? Será a maldição do 20° andar? Mas ninguém se preucupa, nem o chefe, nem a secretaria, nem os empregados, menos 2 homens, menos 2 gravatas, menos 2 resultados, e ninguém se importa.
Depois disso comecei a passar mal, não consegui continuar trabalhando, nem mesmo continuar observando o relógio, que passa devagar, que nos controla. Fui embora para casa, não falei nada para ninguém, ‘eles vão entender’, e realmente parecia que ninguém notou, ou se importou, ou os dois.
Chegando em casa, comecei a vomitar, uma febre me atingiu, minha esposa estava dormindo, eu pedi ajuda as ela parecia estar em um sono profundo, pois nem se movia quando eu chamava, então eu fui para o banho, me olhava no espelho embaçado pelo vapor d’água, mas o mais estranho era que eu olhava no fundo dos meus olhos, e não conseguia ver quem estava ali, não se parecia comigo, qual foi a ultima vez que eu me olhei no espelho? Sempre me arrumava, colocava a gravata, mas nunca tinha tempo para dar uma olhada no espelho, isso meu preocupou um pouco. ‘Ah, você está é abalado com essas mortes, amanha tudo volta ao normal’, eu dizia para mim mesmo, tentando me tranqüilizar, sai do banho e fui direto para a cama, estranhamente estava completamente esgotado, deitei na cama e desapareci do mundo, apaguei.
Então, o despertador tocou, a mesma musica clássica de sempre, mas dessa vez não tive tempo para ouvir a melodia ou refletir sobre ela, me levante renovado, devo ter dormido muito, não lembro nem de ter sonhado. Me arrumei rapidamente, e passei rápido pela sala, dessa vez não tomei café da manha.
Minha esposa nem notou minha presença e eu também não me importei, tinha uma investigação a fazer. Fui direto para o carro, vi minha personalidade florescer, pois tinha pressa, buzinei, xinguei, quase bati o carro, mas queria chegar logo.
Quando cheguei fui direto para a sala da administração e procurei novamente por outro empregado, possível suicida de ontem, e torci para conseguir ter mais dados que o de anteontem, mas nada. Apenas o mesmo registro, sem foto, e sem nenhum dado relevante. Decidi então ir ao prédio do lado e perguntar se alguém sabia alguma coisa sobre eles, afinal eles subiram a cobertura, será que ninguém lá sabia quem eram eles?
Chegando lá procurei, conversei com as pessoas, tentei na verdade, pois todos tinham afazeres demais e não tinham tempo para conversar, lá era um apartamento bem organizado, uns 2 porteiros e vários moradores subindo e descendo, nenhum teve tempo para falar comigo. Fiquei horas e horas buscando ajuda, mas ninguém se importava, foi quando ouvi algumas pessoas gritando do lado de fora, ‘Ele vai pular, meu deus.’ Fui correndo para fora e consegui ver, outro homem na cobertura, outro engravatado, dessa vez eu estava mais perto e consegui ver a gravata dele, parecia com uma que eu tinha, vermelha, tom de força, de personalidade, um tom chamativo, eu adorava aquela gravata.
As pessoas estavam agitadas, algo quebrou sua rotina, um homem vai se suicidar bem na frente delas, eu achei que eles estariam em choque mas pareciam mais animadas que meus colegas do escritório. Eu não entendia aquilo, pelo terceiro dia seguido um suicídio, no mesmo prédio, homens com o mesmo terno, e ninguém movia um músculo, ninguém procurava investigar, ninguém procurava ajudar.
Então eu decidi, fui correndo até a cobertura, as escadas em forma de caracóis foram rapidamente ultrapassadas, nunca corri tanto em minha vida, pensando no que falar, se eu queria realmente ajudar, se eu queria saber o que estava acontecendo, ou se assim como as outras pessoas eu queria apenas um motivo para sair da rotina.
E então eu estava lá, abri a porta da cobertura, o piso era todo cinza, com rachados, várias antenas e eu vejo em minha frente um homem de costas, olhando para baixo, para cima, pensando.
-EI, não faça isso, eu sei que aqueles homens pularam ontem e antes de ontem, eu não sei por que, mas não posso deixar outro homem pular, não faça isso.
O homem continuava sem reação, parecia que não conseguia me ouvir, ou então estava tão imerso nos seus pensamentos que não via mais nada ao seu redor, a única pergunta que eu me fazia, ‘o que o trouxe aqui...’.
-Amigo, a situação deve estar ruim, mas sempre se pode melhorar, se você pular, as coisas não vão se resolver magicamente. É preciso lutar pela felicidade.
-E o que você sabe sobre a felicidade? – Disse o homem em um tom familiar, eu me assustei, foi a primeira vez em dia que alguém tira tempo para responder alguma pergunta minha, ou falar comigo, tinha muito tempo que não tinha algum contato real com outro ser vivo.
-Olha amigo, posso não ser a melhor pessoa para te ajudar no momento, nem a mais feliz que você já conheceu, mas tenho certeza que as coisas não se resolvem assim. Luta pela sua felicidade, pelo seu reconhecimento, honre sua gravata. – Então o homem deu uma leve risada irônica.
-A gravata não é mesmo? Tudo de resume a maldita gravata, os resultados, as marcas, é o que realmente importa, a gravata azul, a vermelha, ela pode até mudar, mas o homem na gravata continua o mesmo, sem face, sem nome.
O homem começou a me assustar, ele parecia conhecer bem os problemas que rondavam minha cabeça, as duvidas mais profundas, ele parecia me conhecer. Talvez ele também trabalhe no 20° andar também, deve ser isso, é, provavelmente todos lá passam pela mesma coisa. E então o homem diz algo que me deixa em choque, profundamente abalado.
-Falando em nome, você ainda consegue se lembrar do seu?
O mundo parece desabar sobre mim, ‘meu nome, meu próprio nome’, tantos dias preocupado com a gravata, e eu nem me lembro mais, do meu nome. Me esforço com todas as forças ,tento lembrar de familiares, amigos, mas ninguém vem a minha cabeça, nenhuma memória, nenhum momento, nenhum nome.
-Você se lembra do ultimo final de semana? Da ultima festa? Da ultima noite de amor que você passou ao lado de alguém amado? Pois é, eu também não, por isso estou aqui. E também é por isso que você veio aqui, a quase 50 anos atrás, mas é claro, o tempo é relativo, quando estamos presos a mercê da nossa própria mente.
Então o misterioso homem se virou, e o que eu vi me deixou gelado, eu vi meu próprio rosto, minha própria gravata, ele sorriu para mim, e eu não consegui fazer nada, nem perguntar nada, mil perguntas se passavam pela minha cabeça, ele se virou novamente, se colocou de pé ao lado do fim da cobertura, tirou a gravata, tirou o nó e a lançou ao vento. Eu não pude fazer nada, não estava em condições, não conseguia entender, e então ele se jogou, dessa vez como todas as outras ele apenas se soltou, e deixou a gravidade fazer o resto do trabalho.
Eu estava ali, parado, olhando ao redor, olhei para cima, para baixo, me aproximei do fim da cobertura, da sua grade frágil, e por mais que tentasse não conseguia lembrar meu nome, não conseguia me lembrar de quem eu era, do por que estava ali, e por que aquele homem parecia tanto comigo, foi então que as coisas começaram fazer sentido.
‘O tempo é relativo, quando estamos presos a mercê da nossa própria mente’, o que ele quis dizer com isso? Eu estou a 50 anos vivendo isso? Porque não me lembro de nada? E então as cenas do meu dia começaram a passar, a mesma musica de alarme, a mesma mulher no mesmo lugar, as mesmas frases, o mesmo caminho para o trabalho, as mesmas musicas chatas e propagandas idiotas no caminho para o trabalho, o mesmo chefe, a mesma mesa, o mesmo relógio, eu estava preso, naquele dia, não sei quanto tempo estou aqui, tudo parece igual, tudo é igual, a gravata, é a mesma.
Então a gravata jogada vem voando, rodopiando e para sobre meu pé, eu agacho e pego ela, então eu vejo que estou sem a minha gravata, que na verdade a gravata na minha mão era a minha gravata. ‘Tudo se resume a gravata’, eu sempre tentei ser diferente, sempre tentei ter uma identidade, mas tudo se resumia a essa maldita gravata, estou preso em uma tentativa frustrada de tentar ser notado de me fazer ser notado, e nem mesmo na morte eu consegui ser notado. Tirei algumas risadas dos colegas, alguns olhares espantados dos pedestres, mas La estava eu, novamente em cima do prédio, olhando para baixo, olhando para cima, tudo era vazio, e eu me perguntava até quando aquele pesadelo iria durar.
Então eu me soltei, simplesmente me soltei, cansei de lutar contra a correnteza, eu não era ninguém, eu era uma gravata, e mesmo numa ultima tentativa frustrada de ser notado eu nunca fui ninguém, apenas mais um coitado que não agüentou a solidão do dia a dia, o cansaço da rotina, a chatice da vida. Nem no meu ultimo instante, eu fui alguém, eu nunca passei de uma gravata, uma gravata suicida.
Enquanto caia, pensava se iria doer, eu não me importava, meu corpo parecia flutuar, e não era uma sensação ruim, eu só pensava que o fim estava próximo, que o cansaço iria acabar, que a felicidade estava próxima a medida que o chão se aproximava.
E então um vazio tomou conta de mim, tudo ficou preto, eu não era mais corpo, não tinha pernas, nem braços, nem cabeça, era apenas um ponto, num buraco negro, o que está acontecendo, será esse o castigo eterno do suicida? Eu imaginava um inferno quente, vermelho, com demônios, e torturas eternas, eu sempre soube o destino do suicidas, e até isso me parecia confortável. Mas nunca pensei que o fim, era um vazio, um imenso vazio, um ponto negro na escuridão, o tempo passava, mas o que era o tempo senão uma ilusão, de uma mente limitada que nem em vida conseguiu ser alguém, ainda mais morto, uma gravata suicida, atormentada pela eternidade pelo seu maior medo. Eu nunca tive medo da morte, mas tinha medo de morrer, sem nunca ter vivido.
Então de repente o alarme toca, a suave música clássica era a única parte calma do meu dia, que irônico, o começo é sempre mais suave que o fim, talvez pela inocência de esperar algo novo, algo diferente, talvez pela esperança de mudança, mas no fim, era a mesma música, a mesma esperança, o mesmo dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário